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TEMPO QUE RETORNA, DE CLÉBER BALEEIRO - POR HUDSON R. SANTOS

"A persistência da memória" (1931), de Salvador Dalí



A poesia tem o poder de nos transportar para mundos desconhecidos, onde sentimentos profundos e experiências humanas são revelados em versos delicados. O livro de poemas intitulado "Tempo que Retorna", escrito por Cléber Baleeiro, oferece-nos a oportunidade de mergulhar em reflexões sobre a vida, o trabalho e a esperança. Neste ensaio, faremos uma explanação sobre o poema "O Lavrador e Seu Irmão", analisando versos-chave que abordam a rotina do lavrador, sua relação com a terra e sua busca constante por esperança.


No verso "quantas pedras há no dia/do homem em seu ofício/de plantar erva na terra", podemos vislumbrar a vida cotidiana do lavrador. Essa imagem poética evoca a dureza e a obstinação necessárias para cultivar a terra. O lavrador enfrenta inúmeros obstáculos e desafios diários, representados simbolicamente pelas pedras. A atividade de semear a erva na terra requer paciência e resiliência, pois o lavrador deve superar cada obstáculo para alcançar seu objetivo final.


Em seguida, o poema revela: "O lavrador vive de espera/espera climas propícios/espera fartura na mesa...". Aqui, o autor Cléber Baleeiro capta a essência da vida do lavrador, imerso em uma rotina de antecipação e esperança. O lavrador não apenas espera pelo clima adequado para plantar, mas também aguarda a recompensa de seu trabalho na forma de fartura na mesa. Essa espera é uma constante em sua vida, uma espera que pode ser ao mesmo tempo angustiante e cheia de expectativas.


A poesia de Baleeiro continua ao afirmar: "O lavrador vive de esperança". Essa frase simples, porém poderosa, ressalta a importância da esperança na vida do lavrador. Ela é o combustível que alimenta sua perseverança e mantém sua vontade de continuar, apesar das dificuldades encontradas no campo. A esperança é o fio condutor que guia o lavrador em sua jornada, proporcionando-lhe um sentido de propósito e um vislumbre de um futuro melhor.


Por fim, o poeta declara: "Na forja em que fomos feitos/foi feita a destinação/de eu ser lavrador de terra/e ele tangedor de ovelhas". Esses versos revelam uma perspectiva interessante sobre a relação entre os dois irmãos. O uso da metáfora da forja sugere que suas identidades e papéis na vida foram moldados por uma força maior. Enquanto um é destinado a ser lavrador, o outro é destinado a ser tangedor de ovelhas. Essa dicotomia enfatiza as diferentes vocações e habilidades que cada indivíduo possui, destacando a diversidade e a complementaridade dos seres humanos.


No prosseguimento do poema, surge um verso provocativo: "A enxada é enxada/quando lançada à terra. A enxada é arma quando lançada ao homem". Aqui, Cléber Baleeiro nos convida a refletir sobre a dualidade e a ambiguidade desse simples instrumento agrícola. A enxada, em si mesma, é apenas uma ferramenta, um objeto inanimado que pode ser utilizada para trabalhar a terra, arar o solo e plantar sementes. Nesse sentido, ela é uma extensão das mãos do lavrador, um símbolo de seu labor e conexão com a natureza.


Entretanto, o poeta nos alerta para outra perspectiva, na qual a enxada se transforma em arma quando lançada ao homem. Essa mudança de função evidencia como uma ferramenta aparentemente inofensiva pode ser transformada em um instrumento de violência nas mãos erradas. A ambiguidade da enxada reside na possibilidade de ser usada tanto para construir como para destruir, para semear a vida ou ceifar a existência.


Essa ambiguidade é aprofundada pelo verso seguinte: "É instrumento/o que dele fazemos". Aqui, Baleeiro ressalta a responsabilidade do ser humano em relação às ferramentas que utiliza. O valor e o significado da enxada não são inerentes a ela, mas sim conferidos por aqueles que a manuseiam. O uso que fazemos dela determina sua natureza, seja como instrumento de trabalho, como arma ou como símbolo ambíguo de nosso impacto sobre a terra.


Dessa forma, a enxada torna-se um símbolo poderoso no poema, representando não apenas a relação do lavrador com a terra, mas também uma metáfora da condição humana. Assim como a enxada, somos capazes de construir e criar, mas também de ferir e destruir. Nossa habilidade de transformar instrumentos e ferramentas reflete nossa capacidade de moldar o mundo ao nosso redor e, ao mesmo tempo, nossa responsabilidade em fazê-lo de maneira consciente e ética.


Ao explorar a dualidade da enxada, Cléber Baleeiro nos leva a uma reflexão profunda sobre nossa relação com o trabalho, a terra e nossos semelhantes. Somos instigados a considerar como nossas ações podem ter consequências diferentes, dependendo de como usamos as ferramentas disponíveis. A enxada nos lembra que a sabedoria está em reconhecer a ambiguidade e fazer escolhas conscientes, utilizando nossos instrumentos para o bem, para o cultivo da vida e para a construção de um mundo mais harmonioso.


Para finalizar, o poema continua com os versos: "o caminho ainda cresce/na frente da minha pisada/fazendo cada passada/entrar no ciclo contínuo/do seu eterno retorno". Nesse trecho, Cléber Baleeiro nos presenteia com uma reflexão sobre a jornada da vida e o contínuo movimento do tempo.


A imagem do caminho que cresce à frente da pisada do poeta evoca a ideia de um percurso que se estende constantemente, desafiando e convidando-o a avançar. Cada passo dado nessa jornada representa uma entrada no ciclo eterno do retorno, sugerindo que a vida é uma sucessão contínua de experiências, aprendizados e renovações.


A expressão "ciclo contínuo" enfatiza a ideia de que tudo na vida está interligado e que os eventos se repetem em um movimento cíclico. Essa perspectiva nos convida a refletir sobre a constante evolução e renovação que ocorrem em nosso trajeto. Cada passo dado, cada experiência vivida, alimenta o ciclo que se perpetua, como uma espiral em constante expansão.


A noção de "eterno retorno" traz consigo um senso de continuidade e repetição. Ela nos faz refletir sobre como os elementos essenciais da vida se repetem ao longo do tempo, mesmo que em diferentes formas e manifestações. O poeta reconhece que, ao entrar nesse ciclo contínuo, suas ações e jornada estão conectadas com algo maior, transcendendo o tempo e o espaço.


Dessa forma, o poema encerra sua mensagem com uma visão profunda e filosófica sobre a existência humana. Somos convidados a contemplar o crescimento constante do caminho diante de nós e a compreender que cada passada que damos contribui para o fluxo eterno da vida. O poeta nos lembra que estamos imersos em um ciclo de renovação contínua, onde nossas ações e experiências são tecidas no tecido do tempo.

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