Vladímir Maiakóvski é um dos representantes mais significativos da poesia russa e não por acaso foi traduzido por Augusto e Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman, num volume com seu nome, lançado pela Perspectiva. Neste livro, há poemas representativos desse poeta nascido em 1893, na aldeia de Bagdádi, nos arredores de Kutaíssi, na Geórgia (os dados estão na antologia Poesia russa moderna, na qual também há poemas dele, dos mesmos tradutores citados).
A obra de Maiakóvski é constituída por poemas que mesclam justamente o coloquial e o pretensamente erudito, fundindo tudo numa linguagem única, em que, ao mesmo tempo em que trabalha com imagens, lida com uma sonoridade apurada. Como escreve Krystyna Pomorska, em Formalismo e futurismo: “Maiakóvski foi conhecido antes de tudo como um poeta que ‘rebaixou’ a linguagem poética, dando-lhe uma forte infusão de coloquialismos e jargões citadinos”, introduzindo “o ritmo da marcha e dos tambores” e aplicando “suas experiências linguísticas ao contexto social”, o que faz com que “seus motivos mais pessoais” fossem “elevados a uma escala social e às vezes universal”. Ele sintetiza os caminhos adotados pela poesia russa moderna: uma mescla da linguagem coloquial com estruturas e rimas exatas (ver, para isso, o ensaio “Maiakóvski: evolução e unidade”, escrito por Boris Schnaiderman para o volume dedicado ao poeta).
O linguista Roman Jakobson, no ensaio que dedicou ao poeta e amigo, A geração que esbanjou seus poetas (que ganhou uma ótima tradução de Sonia Regina Martins Gonçalves, que assina também o posfácio, pela Cosac Naify), diz que é diretamente da vida cotidiana que o poeta tira a arquitetura para seu trabalho. Ele utiliza, por meio dessa linguagem, referências a movimentos e grupos, além de personalidades políticas do seu tempo, associado à Revolução Russa. Como escreve Augusto de Campos, em Poesia da recusa, ele foi, sem dúvida, o “maior porta-voz, em poesia e vida, da relação conflitual entre poética e política, ética e estética” que consumiu “a geração que dissipou seus poetas”, à qual se refere Roman Jakobson no seu conhecido ensaio. Esta geração inclui Gumilióv (1886-1921), Blok (1890-1921), Khlébnikov (1855-1922), Iessiênin (1895-1925) e Maiakóvski, que se suicidou.
Os poemas de Maiakóvski mostram um conflito constante entre vida e morte, como observa Jakobson. Mostram como ele estava condicionado pela visão do “suicídio” e, ao mesmo tempo, pela sua obsessão por não morrer. Para o “poeta da linguística”, como Jakobson era visto pelos concretos, Maiakóvski aproximou a vida da obra – afastadas pelo formalismo russo, do qual Jakobson fazia parte. Para ele, Maiakóvski sabia que cada ação sua era parte de um projeto maior: o poético. Ele, assim, “compreendia perfeitamente a estreita ligação entre biografia e poesia”. Nesse sentido, para Jakobson, Maiakóvski se construiu sobre uma dialética em que o futuro era imaginado, mas não confirmado – e, muito mais, evidenciava o imaginário ao seu redor.
Jakobson se pergunta, em seu ensaio: “O poeta que adianta e apressa o tempo, imagem constante em Maiakóvski, não seria a verdadeira imagem do próprio Maiakóvski?”. Para Jakobson, mesmo depois da morte, o “terrestre eterno” é o sonho do poeta – por meio das ideias, realizações, das canções além das palavras. Como no poema “A extraordinária aventura vivida por Vladímir Maiakóvski no verão na Datcha”, cujos versos finais resultaram na intradução de Augusto de Campos, “sol de maiakóvski”
Maiakóvski afirmava que o poeta deveria manter o nível de sua obra, seja qual fosse o público para o qual se dirigia, ou seja, ele dizia que o povo precisava ser educado para compreender uma arte mais difícil. A exemplo do que observa Haroldo de Campos, em “O texto como produção (Maiakóvski)” (de A operação do texto), “Sua participação no nível ideológico não era inconciliável com as exigências de uma criação artística de vanguarda e sempre se insurgiu – em poemas, peças teatrais e artigos críticos – contra os burocratas em geral [...]”.
Para o grande poeta Guénadi Aigui, numa entrevista publicada no fundamental Silêncio e clamor, “Maiakóvski tem um extraordinário senso de plástica verbal, de arquitetônica verbal. Pode-se até falar de seu genial pensamento plástico. E com isso os próprios sentimentos, a incandescência, sua belicosidade, se manifestam com tal gigantismo que lembram Shakespeare e Dostoiévski”, acrescentando que ele é “incomparavelmente maior que a sua época”, o que nos ajuda a entender por que Maiakóvski continua atual.
Afinal, como observa o crítico italiano Alfonso Berardinelli, em Da poesia à prosa, a poesia de Maiakóvski pretendia, por um lado, “irromper e sabotar a tradição lírica”, e, por outro, “olhar de frente um público e um destinatário novos: levar em conta sua situação, sua exigência de luta, seu ponto de vista específico, suas necessidades culturais”.
Berardinelli lembra, o poeta russo comparasse a poesia a uma indústria, “com processos produtivos e finalidades sociais (ele elabora a ideia de ‘mandato social’: em cada momento particular, depois de ter acumulado matéria-prima e obtido os meios de produção, o poeta deve identificar o problema social para cuja formulação e solução a obra de arte é necessária ou útil)”. É curiosa esta ideia porque o poeta moderno sabe que sua arte é, para a sociedade e para a economia, “inútil”. Saber que Maiakóvski tentou este caminho mostra que seus posicionamentos poéticos podem não ter tido sucesso no plano prático; no entanto, o valor poético reconsidera qualquer fracasso, e a ideia do poema como algo a ser construído – com uma estrutura a ser erguida, como na arquitetura – pode remeter ao brasileiro João Cabral.
André Dick nasceu em Porto Alegre (RS), em 1976. É poeta, crítico literário e doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com tese sobre a obra completa de Stéphane Mallarmé. Publicou os livros de poesia Grafias (Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2002), Papéis de parede (Belo Horizonte: Funalfa Edições; Rio de Janeiro: 7Letras, 2004), Calendário (Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2010) e Neste momento (Kotter Editorial, 2022), assim como a coletânea de traduções Poesias de Mallarmé (Bauru: Lumme Editor, 2010). Também organizou Signâncias: reflexões sobre Haroldo de Campos (São Paulo: Risco Editorial, 2010) e A linha que nunca termina: pensando Paulo Leminski (Rio de Janeiro: Lamparina, 2005), este com Fabiano Calixto. Publica críticas de filmes no Cinematographe.
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