POESIA VOLUME 5 NÚMERO 1
Tantas horas gastas à perfeição:
eu me embriaguei de todas as fontes
enquanto a beleza era a única fonte.
Folhas delineadas, uma a uma, pelo sol,
e negras, unidas ao anoitecer,
de todas eu ouvi o arrastar do vento.
Tantas horas gastas à perfeição:
vingará a delicada chama da primavera?
* * *
Manhã de inverno.
Meus passos roçam nos passos das estações.
O céu é gaze cinza rasgada de azul
e o sabiá laranjeira escurece no telhado.
O esmalte do asfalto
se esfrega nos meus pulsos
como escamas de salmão.
Na esquina
a cascata de ouro e verdura
se enrosca na ferrugem do poste.
Da escória vertical
o rosto de mulher
é um túnel de luz.
(Através do silêncio
vejo beija-flores incandescentes
e sempre-vivas em combustão.)
Dias de tinta roxa na carcaça –
não basta olhar,
a vida quer tocar e ser tocada –
então os dedos fundos
no rosto de manteiga.
Rastejo em câmara lenta,
escavo com as unhas
o útero do labirinto.
* * *
Depois de uma vida, o casal desperta:
grão de sol gravidade zero,
a abelha adejou no café da manhã.
Saem de casa
com o sol zumbindo
nos bolsos, nas casas dos botões, nas dobras da blusa.
* * *
Um dia qualquer
a morte acena no horizonte,
e o parafuso de aço –
porca e contraporca,
se atarraxa
na espinha do homem todos os homens.
Pão dourado em fogo brando,
celebra-se
a beleza do contraste.
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