Arte por Red Bait
OS ERÊS DE GAZA
Lau Siqueira
As crianças de Gaza
não brincam mais, não
comem mais...
Apenas esperam
a próxima explosão.
Ou um soldado e seus
olhos de extermínio.
Há um rio de sangue
cortando o deserto.
Há uma canção
vestida de tristeza.
E gritos que
o mundo
não escuta.
NAKBA
José Couto
mirrando o deserto verde e longínquo
do mar mediterrâneo
um menino e uma menina em gaza
escrevem nas palmas de suas mãos
p a z l e s t i n a
recolhem em seu olhar
a voragem e os ruídos
do sangue nas oliveiras
o sal no tempo sem cura
clarão de bomba na retina
escrevem nas palmas de suas mãos
p a z l e s t i n a
opacidades vertem
da cicatriz profunda na alfazema
das cinzas do alecrim
do óleo no cedro
e mergulham suas sedes e fomes
na aridez devastada do rio jordão
na noite lívida de relâmpagos e fumaças
com a ira dos deuses que nunca findam
um pássaro cessa seu voo
pousa na rocha no santuário sagrado
no exato momento que o profeta
revela que não nos será permitido
conhecer os desígnios do criador
nem seu perdão ou compaixão
só a indiferença e a rudeza da escuridão
enquanto outra vez a história
se repete em nakba
quando meninos e meninas
com as chaves de suas antigas casas
escreviam no éter de seus pés descalços
p a z l e s t in a
CONFISSÃO DE UM TERRORISTA!
Rubens Jardim
Ocuparam minha pátria
Expulsaram meu povo
Anularam minha identidade
E me chamaram de terrorista
Confiscaram minha propriedade
Arrancaram meu pomar
Demoliram minha casa
E me chamaram de terrorista
Legislaram leis fascistas
Praticaram odiada apartheid
Destruíram, dividiram, humilharam
E me chamaram de terrorista
Assassinaram minhas alegrias,
Sequestraram minhas esperanças,
Algemaram meus sonhos,
Quando recusei todas as barbáries
Eles... mataram um terrorista!
(Mahmoud Darwich poeta e escritor árabe, considerado o poeta nacional da Palestina. Tantas vezes exilado, preso e refugiado, Darwich tinha forte engajamento político, sendo o autor da Declaração de Independência Palestina.)
Este poema não diz nada
da mesma forma
que a história não diz
tudo
Língua cortada
este poema não fala
falha
E insiste
Dedo em riste
Rubens Jardim, poeta paulistano que, desde os anos 60, organizou e participou de recitais e saraus até o seu falecimento, em 2023.
COREOGRAFIA DO CAOS
Isabel Cristina Corgosinho
De quem são os olhos
que ousam invadir os domínios
na noite minada do mundo em declínio?
Fogos apagaram calaram
parques escolas hospitais
cidade concha recurva
murcha cornucópia muda
Infâncias insonoras
ruas rodovias nuas
sem música tombam
na cidade
fósforo branco
pólvora urânio
de zinco
o manto
recobre o espanto
do céu
assonâncias escarpadas
do pranto
de Deus, o ateu
Faz escuro
mas uma mulher
entrega-se à dança
movimento invisível
nos escombros
estilhaços
cacos
de sentimentos
não arranham
os olhos
de amianto
do ditador
Confronta com sua dança
o toque de recolher
ordena o silêncio
das rajadas
a dança
sobre os destroços
vibra a pulsão
de vida
sobre a coreografia
do caos!
Comments