POESIA VOLUME 5 NÚMERO 2
A MINHA ALMA SOBRA NO ESCURO
A minha alma sobra no escuro
E eu sinto um nunca pestanejando em meu olfato quando finjo que vejo o mundo pelas frestas da minha dor.
Meu olho fecha como música e estrela em mim em intenso brilho outros astros cruzando extremos como espadas de fogo no céu.
O desuso de mim parece pintura de morte, sem desgaste aparente, porém, comensurada pelo fim.
Nublando e chovendo teimo sempre em erguer as sementes, desenhar a armadura das folhas, erguê-las como asas enervadas, translúcidos fraques transparentes de incansáveis cigarras.
Para entardecer acordo e durmo e sou sol.
Um galho que balança adiante no céu pleno é um lapso terno no horizonte e fulguração da eternidade.
Batem as palavras nas bordas do sino e vibrando o mundo chove e assim o verde relva como música.
Palavra que fala por mim tem o meu corpo e bebe no eco dos meus silêncios.
A minha poesia me leva e me lava. Sigo o curso do rio da poesia para o encontro do mar. Vasto mar e mim mesmo.
Transparente durmo no infinito de mim mesmo e sou pedra e sou pedra na interminável lonjura.
Nos armários e estantes de mim, remo, remo e, continente, não vejo rabisco de horizonte nos meus abismos.
Quando morro, torno-me mais corpulento e ocupo cada vez mais nada. É o ciclo vasto do mundo sem surpresas e sem vexames.
A OUTRA CARTA A ILSE BLUMENTHAL-WEISS
a R.M. Rilke e aos ciganos (nômades do pensamento e da imaginação)
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Hoje novamente eu assediado e aos pés das mil páginas da poesia olho pros olhos de Wera Ouckama Knoop e me penso chama flâmula cigana de vermelho e sangue
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chama doida me chama entre o vestido e os seios sopros de seda e mel avoantes mouros
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bebo a imaginação e o caos////////// onda de crista e sal, mar de púbis nas entranhas do mistério
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vou me perder em sua boca naufragar em palavras inventadas voar, corcel negro os seus flancos vazios os alados pensamentos de patas fincadas no infinito.
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nos meus olhos névoas mornas são imagens e são grânulos do deserto e são viveres sob os pés de viandantes berberes a perderem entre cheiros e paredes outros ares, suas asas noutra torre do castelo de Duíno.
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A FACA QUASE POLÍTICA
A João Cabral de Melo Neto
Mais uma faca só lâmina
Lamina bem fino o genoma
É lâmina que corta fundo
A ponta rombuda da política.
É só lâmina o aço
De espelho frio cortante
Na imagem do corpo cego
O corpo cego e gritante.
É só lâmina o aço
De frio gume amolado
Da língua afiada e de sangue
A lâmina de aço cortante.
É só lâmina e sem cabo
O doce metal da morte
Com os cravos atravessando a madeira
E são cravos da própria sorte.
Emerge do poço fundo e escuro
A faca de fino brilho
E cega seu brilho em cor
De sangue, de fino golpe indolor.
Emerge entre rastros, pegadas
De rastro frio, incolor
Que não reflete na lâmina
Que não tem forma, nem cor.
Um braço furtivo, forte eclode
No silêncio tenso do corpo
Empunha bandeira da morte
Sob lenço da lâmina só faca.
É só lâmina o aço
O ferro de ferrar gente
Que ferra papel na história
Papel de pele seca
Celulose da própria gloria.
É só lâmina a afiada lâmina
Tirando os pelos do mundo
Deixando lisa a pele
De pelo afiado unânime.
É só lâmina a lâmina
E sem cabo não tem memória
No ato que se repete
Punhal de palavra que engasga.
Lâmina de aguçado mergulho
Arqueológica adaga
Que vasculha o sujeito
Em seu museu de víscera, insulto e palavras.
Lâmina só lâmina afiada
De língua feroz e sedenta
Com sede de língua calada
De sangue, de sede que se inventa.
É lâmina de aço e cinza
Sob cinza cinza e silêncio, acuada
É lâmina com as penas molhadas
De mórbida fênix entre truculentos soldados.
É lâmina, é língua falante
Entre os dentes do guerreiro
No vexame da palavra
Na palavra do vexame.
Josafá de Orós é poeta, sociólogo, artista plástico. Tem publicado contos e poesias em todo Brasil. Tem sido selecionado e premiado em certames nacionais e fora do Brasil. Exemplos relevantes são o troféu Barriguda obtido no FEMUP de Paranavaí-PR; 2º lugar no Concurso Roberto Tonellotti/2016; 1º lugar no Concurso Nacional de Poesia do SESC/Piedade-PE e tantos outros. Recebeu o título de Embaixador da Palavra, conferida pelo Museo de La Palabra e pela Fundación Cesar Egido Serrano de Madrid – Espanha/2017.
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