TRADUÇÃO VOLUME 5 NÚMERO 1
REMOVENDO AS ISCAS DE RAPOSA
É duplamente
irônico que um casal
ranzinza, rígido e quente
ao pensar
em veneno,
assombrado e atormentado
pela ideia de carne,
rastreie
o guarda
fazendo a ronda,
escrutando seus maneirismos,
seu processo de depositar
as iscas, mova-se
alguns passos atrás dele
e erga as iscas
em mãos enluvadas de tenaz,
pra selar num saco
de incinerar.
O som da diminuição,
do quoll e gato-tigre,
são ouvidos no espaço
da cada respiração –
o guarda exsudando
suor de caçador,
enquanto o calor do corpo
alavanca a consciência,
e uma morte de raposa
contorce o tempo.
REMOVING THE FOX BAITS
It is doubly
ironic that a fastidious
couple, rigid and hot
at the thought
of poison,
haunted and tormented
by the idea of meat,
should track
the ranger
doing his rounds,
scrutinize his mannerisms,
his process of laying
baits, move in
a few steps behind him
and lift the baits
in gloved and pincered hands,
to seal in a bag
for incineration.
The sound of diminution,
the quoll and native mouse,
are heard in the space
of each breath –
the ranger exuding
a hunter’s sweat,
as body warmth
levers conscience,
and a fox death
contorts the tense.
AFOGANDO EM TRIGO
Eles foram avisados
em toda fazenda
que brincar
nos silos
levaria à morte.
Você afunda em trigo.
Lentamente. E quanto mais
você se debate, pior fica.
“Você vai ver um rato passar nadando
pela sua cara, ágil em seu terreno,
e aí você vai sumir.”
Ali, trabalho duro
não dá recompensa.
Então virou uma espécie de teste
pra ver quanto eles conseguiam afundar
sem precisar duma corda
pra ajudar a sair.
Mas no meio da brincadeira
rituais saem do compasso – como ambos
pulando pra dentro pra resolver
uma discussão
sobre quem iria primeiro
e esquecendo
de amarrar a corda.
Até a cintura
e com medo de mexer.
Que até um grito de socorro
faria o trigo
cair aos grãos.
A doída consolidação
do tempo. Os grãos
na ampulheta
grotescamente inchados.
E aquele acre
cheiro químico
de trigo tratado
conduzindo-os a
um sono de quase-morte.
DROWNING IN WHEAT
They’d been warned
on every farm
that playing
in the silos
would lead to death.
You sink in wheat.
Slowly. And the more
you struggle the worse it gets.
“You’ll see a rat sail past
your face, nimble on its turf,
and then you’ll disappear.”
In there, hard work
has no reward.
So it became a kind of test
to see how far you could sink
without needing a rope
to help you out.
But in the midst of play
rituals miss a beat – like both
leaping in to resolve
an argument
as to who’d go first
and forgetting
to attach the rope.
Up to the waist
and afraid to move.
That even a call for help
would see the wheat
trickle down.
The painful consolidation
of time. The grains
in the hourglass
grotesquely swollen.
And that acrid
chemical smell
of treated wheat
coaxing them into
a near dead sleep.
DEPOIS DE BOMBEAR
No verão quando o dia
abrasa seu curso pelas semanas
e meses, e o pluviômetro
recolhe sedimentos de poeira,
e noites são capelos
de luz superaquecida
resfriada em noite morna,
os irrigadores
embebem o gramado
em água ocre puxada
desde a represa
pela bomba a rosnar;
entre as pastagens
de amarelos e marrons desvanecentes,
um gramado indelével
resfria a mente.
A bomba tosse
e enche de silêncio,
e lenha tremeluz
ao longo da cerca –
o engole-vento
se move cauteloso,
sempre longe da
incursão verde.
AFTER PUMPING
In summer when the day
burns its way through weeks
and months, and the rain gauge
collects sediments of dust,
and evenings are cowls
of super-heated light
cooled to tepid night,
the sprinklers
dowse the lawn
in ochre water forced
up from the dam
by the snarling pump;
amongst the paddocks’
fading yellows and browns,
an indelible lawn
cools the mind.
The pump coughs
and fills with silence,
and deadwood flickers
along the fenceline –
the tawny frogmouth
moves with caution,
always away from
the green incursion.
LÍQUEN BRILHA AO LUAR
Líquen brilha ao luar
tão forte só nuvem cobrindo
a lua traz alívio. Então passada,
recarregado ele salta das rochas
e sufoca – não há rota
entre rochas sem ter de confrontar
suas súplicas – ele ilumina o caminho,
não a lua, e excede epítetos
como fosforescente, fluorescente, ou florescente:
ele zomba e sorri e levanta o canto
dos seus lábios em hediondo ou idílico conluio
e aves flauteiam eterna aurora, nunca sabendo
quando dormir ou acordar. Eles podem
ser convencidos a achar que seu tempo acabou,
no espectro de líquen, sua extra-gravitacional
persuasão, seu movimento crepitante
lembrado como imóvel, indiferente, a penas
vivendo sob o sol, ou numa noite escura;
subindo você escaparia, mas como todo grande
peso molecular ele deixa traços
que você carrega consigo adentrando mundos
de conforto e fé.
LICHEN GLOWS IN THE MOONLIGHT
Lichen glows in the moonlight
so fierce only cloud blocking
the moon brings relief. Then passed by,
recharged it leaps up off rocks
and suffocates – there is no route
through rocks without having to confront
its beseeching – it lights the way,
not the moon, and outdoes epithets
like phosphorescent, fluorescent, or florescent:
it smirks and smiles and lifts the corner
of its lips in hideous or blissful collusion,
and birds pipe an eternal dawn, never knowing
when to sleep or wake. They might
be tricked into thinking their time’s up,
in the spectrum of lichen, its extra-gravital
persuasion, its crackling movement
remembered as still, indifferent, barely
living under the sun, or on a dark night;
climbing up you’d escape, but like all great
molecular weights it leaves traces
you carry with you into the realms
of comfort and faith.
Tradução: Yuri Amaury P. Molinari
JOHN KINSELLA nasceu em 1963 em Perth, Austrália. Além de poeta, romancista, crítico, ensaísta e editor, ele também leciona na Universidade de Cambridge. Já foi premiado numerosas vezes por sua poesia, que apresenta influência direta da paisagem. Kinsella adere a um "regionalismo internacional" em sua abordagem do espaço, e se define como um "vegano anarco-pacifista" e "um apoiador dos direitos indígenas".
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