POESIA VOLUME 5 NÚMERO 2
CARPINDO
Minha mãe carpindo
a terra no quintal,
enquanto labuto no poema.
O labor cuidadoso dela
complementa o meu.
EU E BAUDELAIRE
Sem mais o albatroz,
nem mesmo a carniça,
muito menos o spleen!
Faço-me também poeta:
mais campesino que urbano.
DA NATUREZA EXILADA EM TEMPOS SOMBRIOS
Nossa terra tem palmeiras,
Palmeiras ardendo em chamas!
As aves que aqui gorjeiam,
Ainda gorjeiam, mas até quando?
Quanta beleza e formosura naturais
Perdidas! Quantos sonhos esfacelados!
Os primores de nossa terra, quiçá,
Esmaecidos, esquecidos, soterrados!
Em cismas me perco dia e noite,
Tentando descobrir se nossa terra
Ainda tem mais flores e amores,
Prados e bosques, várzeas e campinas.
Não permita Deus que eu viva,
Para ver a consumação deste desastre,
Do flagelo absoluto de nossa terra,
Em qual cantam os sabiás agonizantes!
O POETA E O SILÊNCIO
Oh Poeta, infeliz poeta do tempo presente. Poderias recriar o mundo, mas não alcançaste o meio de fazê-lo, tal qual outrora conseguiram realizar os grandes espíritos líricos. Outros foram muito mais a fundo que tu, deixando um legado, uma história. Tua serenidade é artificial e ilusória, em contraponto à evocada pelos clássicos e árcades. Tua dor é esmaecida e sem consistência, em comparação à vazada pelo agônico romântico. Teu misticismo representa um falso mistério, transcendência às avessas, diferentemente do urdido por barrocos e simbolistas. Nem mesmo os fenômenos do moderno e do pós-moderno podem se coadunar a ti, insosso vate, que deixou de sentir, que deixou de semear e, portanto, de colher a palavra plena de significação e de perplexidade. Oh poeta, tu que escreves este poema, e ainda tens o lampejo de lucidez de que de nada adianta o teu cantar estéril, morno e fútil: cede vez ao silêncio, pois, na corrente dos tempos, mais vale uma inexpressão que diz muito, do que a verborragia que nada acrescenta.
HILDA HILST
A poeta singular e multifacetada,
Da poesia em torno da tradição
Àquela erótica ou mesmo pornográfica.
Os grandes temas: amor, morte, tempo,
Foram vazados pela tua lira reflexiva,
Mas também falaste do sexo sem pudores.
És, quiçá, um misto de fada madrinha e bruxa,
A encantar a nós, teus fiéis admiradores,
Com toda a tua riqueza e poder imagético.
Mas também fizeste da prosa um filão,
Enriquecendo sobremaneira este gênero,
E fazendo dele uma fonte de experimentos.
Poderosa Hilda! Tua diversificada e laboriosa
Obra alcançará doravante a imortalidade!
Pois o que é espontâneo e de valor vinga.
Henrique Duarte Neto é catarinense, 48 anos, funcionário público, professor, crítico literário e poeta. Teve diversos livros publicados, entre eles: Provocações 26 (Curitiba: Kotter, 2019) e 34 pequenos exercícios poéticos (São Paulo: Primata, 2020). Publicou em algumas revistas literárias, como a Ruído Manifesto, a Literatura & Fechadura e a Escrita Droide. Os poemas saídos nesta edição são todos inéditos. E-mail para contato: henriqueduarteneto@yahoo.com.br
Comments