POESIA VOLUME 5 NÚMERO 1
NENHUMA SOMBRA POR PERTO
Silêncio – o que posso ouvir daqui?
O grande mar. A inundar o mundo. Suas ondas quebradas.
O eco nos morros.
.
Ele conta da nossa precisão em navegar.
Se nem tudo ouvimos há os que nada ouvem.
O que se vê daqui?
Baleias! Em seu imenso berço.
Palco da vida – onde se afundam as cores do arco-íris
a beber as águas de suas placentas.
.
Há dois exemplares da espécie – um casal – a brincar ali.
Mostram somente parte dos seus dorsos. As outras do grupo
vagueiam e mergulham em águas mais profundas.
.
Uma delas deixa o mar.
E se põe a conjecturar as verdades da paisagem surpreendente.
Fico a ver o meu ar nestes três quartos de planeta,
daqui, entre fios desta trama quadriculada que me envolve.
Ela me impede os movimentos, desafia meus sentidos
e destila minha morte próxima.
.
Meu fado é estar aqui neste vácuo líquido a flanar,
perto desses monstros enormes.
Eles sempre dados a me mimar a mim – todo o tempo.
Não sei bem de outras baleias, de outros mamíferos.
Nada sei em geral. Apenas olho, ouço, nado, flutuo
e salto fora d´água – chova ou faça sol, dia e noite.
.
O som agudo, assustador, solto na madrugada!
Esse grito é a minha voz pré-histórica.
A me comunicar a minha curta existência.
A expressar o som do meu ser instintivo.
Emito ondas longas e as recebo de volta. Em curtas ou médias.
Vejo estrelas do mar a me iluminar caminhos.
.
Entre algas e cardumes.
Busco minha salvação selvagem,
me recuso a ter uma alma – dessas humanas.
Quero só uma força que me liberte para as profundezas.
Lá, onde está a fonte da vida, dos segredos naturais, do alto mar,
da origem do mundo.
.
Burburinhos nos barcos não me soam bem.
E o mal?, tanto mal sequer conheço.
O que trama o pescador quando diz:
“peço a Iemanjá peixes e ela me manda baleias”?
Ah...isto nunca passa pela minha cabeça,
nem pelo meu corpo ateu.
Ninguém me dirá que sou demais.
Apenas ignoram que tenho milhões de anos.
.
Eis o aviso de que bocas famintas e bolsos vazios podem tudo.
Mas logo comigo?, só por ser bicho do mar - audacioso e mamífero,
talvez o pecado...
Por ordem da minha natureza, busco as encostas – os cantos de areia, de pedras.
Bem perto de onde habitam os homens.
.
Prometo crescer o suficiente para ganhar um espaço do meu tamanho.
Descobrir a infinitude da minha liberdade.
Aprender a alimentar este meu corpanzil.
Saber tudo o que me ensinam estas sombras
que me acompanham e um dia me deixam.
Uma delas me amamenta, a outra me protege.
Não dos pescadores, mas dos homens gananciosos.
.
De súbito, não mais sombras por perto, só a realidade fria e crua.
Esta colcha xadrez de água e fio.
Nenhuma sombra mais por perto
Ewaldo Schleder Filho nasceu em Curitiba. Quase a totalidade de seus escritos encontra-se em jornais e revistas - nacionais e algumas internacionais. Integrou a coletânea Dez poetas do sul e as plaquetes A noite dentro da ostra e Poesia em tempos de barbárie, editadas pelo Laboratório de Criação Poética, e co-editou o livro Mercosul no divã. Foi premiado pela Fundação Cultural de Curitiba, curadoria de Décio Pignatari, com o clipoema Ezra Pound.
Comments