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EM BUSCA DA COMUNICAÇÃO POÉTICA (SOBRE AUGUSTO DE CAMPOS)

Por R. Brosso

 


Reunidos que estávamos numa sala da PUC de São Paulo, em certo dia da gloriosa década de 80, Décio Pignatari ia dizendo que a Poesia parece estar mais do lado da música, das artes plásticas e visuais do que da Literatura. Tinha razão, quando pensamos na musicalidade do verso mallarmaico que, no entanto, se distingue também pela experimentação sintática (explosão frasal no poema). Havia uma pergunta no ar: o que é Poesia? Se quiséssemos defini-la, a ela deveríamos opor: o que não é poesia (Jakobson)? Dizer o que não é poesia, tanto na época quanto hoje, porém, não é tão fácil. Júlio Plaza estava presente. Os críticos diziam: “a obra literária é feita de palavras”, mas o Décio afirmando: é música!...  Este mesmo questionamento, seguido da dificuldade apontada, remonta ao ano de 1929, durante o desenvolvimento das teses defendidas pelo Círculo Linguístico de Praga. Para os formalistas russos, o foco deveria ser a “substancialidade do poema”, a “arquitetura formal” da poesia. Décio repetia as palavras “contiguidade” e “similaridade”. Eles não queriam saber mais da dicotomia “forma-conteúdo”. Por quê? Eu iria saber pouco depois, naquele dia. Que arquitetura é essa? Dela vão retirar a mega-estrutura significativa, queriam o nexo som-significado. Estava aí a “música” pignatariana. Agora, entender como uma coisa tão abstrata pode ficar em cima de outra, não era fácil. Ainda não é. Eu imaginava: se é “superposição”, beleza! Pronto: o princípio da similaridade realiza-se sobre o da contiguidade! Vou querer ver na prática, isto!


Os dadaístas e os surrealistas, dizia-se, deixavam frequentemente o “acaso” fazer seus poemas. André Gide, – via Haroldo de Campos (1957) –, revelou que os dadaístas “quiseram libertar o verbo do pensamento, dispondo as palavras umas ao lado das outras sem que houvesse uma ligação qualquer”. Por eles, passamos a entender quão importante seria uma “revisão das reações semânticas habituais do leitor” (1957), por extensão ao campo da recepção da obra de arte, julgando que as “divagações meta-artísticas, por hábito, não passavam de pretexto, quando, aliás, o receptor busca num poema “objetos que não são o seu objeto”. Pelas leituras que realizávamos, mesmo determinando quais são os processos poéticos típicos de uma época dada, nós não teríamos ainda descoberto as fronteiras da poesia. A questão da linguagem, em literatura, é estudada pelos formalistas russos, de maneira que tanto a ideia como o ritmo são fatores artísticos. Representações fonológicas, vocábulos, frases, finais de sílabas, processos eufônicos, enfim, são utilizados tanto pela retórica (ordenamento lógico-discursivo) ou estilo de época (literatura), quanto pela linguagem falada cotidiana. Claro que na comunicação utilitária, as palavras não podem prescindir do sistema sintático funcional. Sabemos que Mallarmé chegou a considerar o “alfabeto” como a maior obra poética que surgiu no mundo. Algo assim, tão simples? Não, a dimensão visual, a tipografia, a disposição das frases e as palavras no espaço gráfico estão entranhados no poema. Já a ruptura sintática pode provocar no leitor, um mal-estar que, forçosamente, o tira da zona de conforto.


É isto, acrescente-se: a escrita poética adquire dimensão espacial. Contudo e sobretudo, o aspecto visual da poesia era com o que eu me deparava, naquele dia do corrente 1981. Arte do tempo + arte do espaço. Pois bem... regresso à sala onde rolava uma espécie de oficina literária, quando o Júlio Plaza nos apresentou a CAIXA PRETA, ou melhor, abriu a Caixa Preta para nós. Eu, neste momento, vivi a experiência da PRIMEIRIDADE peirceana, da qual a Profª Lúcia Santaella havia nos falado, no primeiro semestre do ano anterior e, – dizendo eu assim, não de modo peremptório –, como hoje, passando para o impacto do SEGUNDO, no exato instante em que chega a mim o Pulsar do Augusto de Campos, que o Júlio Plaza, co-autor, fez passar de mão em mão.


Li este poema (“este”, afirmo, como uma presentidade, hoje), qual um novo código artístico. O choque foi grande e, embora eu não dispusesse de qualquer feedback (ou no dizer do Prof. Décio, do repertório necessário), eu pude compreendê-lo, na esfera da quase TERCEIRIDADE. Estávamos em 1981, eu acabara de conhecer o Augusto de Campos, por meio de seu parceiro na elaboração da obra, o artista visual, gravador, escultor, criador de serigrafias e produtor de arte postal espanhol, Júlio Plaza, que chegara ao Brasil em 1967, para participar da 9ª Bienal Internacional de São Paulo. Como foi para mim, aquela primordial leitura do poema Pulsar, em sua linearidade significante: primeiro, uma bolinha branca (signo do “o”), depois estrelas ou estrelinhas, também brancas (ícone do “e”).


         – “Eu sou a Poesia”, parecia dizer-me o poema.


         – Encantado, prazer em conhecê-la, respondi.


Eu não sabia bem do que se tratava, embora tivesse aprendido no curso de Letras: a partir de 1956, apoio na palavra enquanto coisa, estruturação ótico-sonora, o poema que “não quer dizer isto nem aquilo”, que diz-se a si próprio, é idêntico a si mesmo (D. Pignatari). Augusto de Campos, já havia alertado na Introdução à série Poetamenos, que os instrumentos eram: frase / palavra / sílaba / letra (s), cujos timbres se definam num tema gráfico-fonético ou “ideogrâmico”.


O que restara do universo concreto, desde outrora, era o trinômio: poesia / música / pintura > verbi-voco-visual (expressão cunhada por Joyce). No princípio era o verbo. Do sânscrito ver-, pelo lat. verb- = palavra, portanto, poesia. Examinemos voco: remete-nos à raiz latina voc-, que carrega o lexema “som da voz humana”; vid- > vis = visão: palavra / harmonia de sons / imagem.


E mais, de acordo com Augusto: “a necessidade da representação gráfica em cores (...) excluída a representação monocolor que está para o poema como uma fotografia para a realidade cromática. Como eu iria saber destas coisas, eles as teriam dito entre 1953 e 1955. Falavam em reverberação. Estavam na “vibe” (vibração) do método ideogrâmico de Pound. 


É isto, a escrita poética adquire dimensão espacial. Contudo e sobretudo, o aspecto visual da poesia era com o que eu me deparava, naquele dia do corrente 1981. Arte do tempo + arte do espaço. Estou de regresso à sala onde rolava uma espécie de oficina literária, quando o Julio Plaza nos apresentou a CAIXA PRETA (obra de 1975, contendo poemas de Plaza e Campos, realizados em parceria, além de um vinil com poemas de Campos musicados por Caetano Veloso. Ou melhor, enfim, abriu a Caixa Preta para nós. Eu, neste momento, experienciava a PRIMEIRIDADE peirceana, passando para o impacto do SEGUNDO (impossível descrevê-lo!), no exato instante em que chega a mim o Pulsar do Augusto de Campos, que o Júlio Plaza, co-autor, fez passar de mão em mão.


Li este poema (digo “este”, qual uma presentidade), como um novo código artístico. Foi um abalo brusco, existencial e, embora eu não dispusesse de qualquer feedback (do repertório necessário, no dizer do Prof. Décio), eu pude compreendê-lo, adiante no tempo, na esfera da TERCEIRIDADE. Estávamos em 1981, eu acabara de conhecer o Augusto de Campos, por meio de seu parceiro na elaboração da obra, o artista visual, gravador, escultor, criador de serigrafias e produtor de arte postal espanhol, Júlio Plaza, que chegara ao Brasil em 1967, para participar da 9ª Bienal Internacional de São Paulo.


Como foi para mim, aquela primordial leitura do poema Pulsar, em sua linearidade significante?: primeiro, uma bolinha branca (signo do “o”), depois a estrelinha, também branca (ícone do “e”), a repetir-se na mensagem sobre universo nigrográfico da página. Simulava a soma do espaço e do tempo, ou seja, o “escuro céu”. Tratava-se de um fluir discursivo (“joyce-riverrum / riocorrente”), próprio dessas manifestações artísticas, eminentemente sedutor, pois remete à etimologia do cosmo: un-, uni- com versum, a traduzir-se como "algo girado ou mudado", "tudo girando através de um", ou o que é “transportado em um círculo".


De todos os signos, diz Décio, – via Peirce –, o ícone é um signo aberto, da criação, da espontaneidade, da liberdade. E o Augusto chega a dizer que a poesia concreta é antiliteratura, no sentido em que não é “crítica da vida”, do ponto de vista lógico-discursivo. Decerto a poesia difere da pintura, porque aquela explora o que é virtual nas palavras, na intenção semântica. Exemplo que o próprio Augusto dá é seu poema OLHO por OLHO (poema sem palavras, de 1964). A chave são os sinais de trânsito: à esquerda > “proibido” / no centro > “siga em frente” / à direita > direção única. Já em 1953, o Poeta escreve, depois de o REI MENOS O REINO, lygia fingers, eis os amantes  e  nossos dias com cimento. Nestes poemas, Augusto trabalha com fontes gráficas coloridas, como se pintasse um quadro, com palavras, em vermelho, laranja, verde, sépia. E em Cubagramma (prancha poetográfica de 1960/62) também explora este universo cromático. Augusto de Campos preparava o campo, de maneira visionária: “virão grandes inovações tecnológicas que vão mudar a Arte, a técnica artística”. Viria a mudança do próprio conceito de arte. Toda poesia é uma viagem ao desconhecido, com ou sem palavras. TUDO ESTÁ DITO / TUDO É INFINITO é o poema do Augusto (tudo girando como um), que só não encerra a Caixa, porque a mesma nunca termina.


 

 

*R Brosso (Rubens Brosso), é Doutor em Ciências da Comunicação (USP) e Mestre em Semiótica (PUC-SP), graduado em Letras. Foi discípulo de Haroldo de Campos e, como poeta (na década de 80), participou de experiências de um dos criadores da poesia concreta, Décio Pignatari, por meio da Revista “Através”, da Martins Fontes. Também integrou a I Mostra Internacional de Poesia Visual (Centro Cultural São Paulo - 1988), organizada por Philadelpho Menezes. Autor de “Palavra comePalavra: poesia axial” (2021). Atualmente, é diretor de Criação da Revista impressa Grou Cultura & Arte, ao lado do editor Claudio Daniel. 

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