CINCO POEMAS DO LIVRO O ABISMO DO HOMEM (BAP, 2020) DO POETA PERUANO ELÍ URBINA
GUARDO HOSPEDADA EM MINHA MEMÓRIA
Guardo hospedada em minha memória
a imagem delicada do corpo do amor.
A luz deve logo voltar,
mas agora, no aqui, apenas a chuva
cobre a rua como negras sementes.
Observe o deslisar lentamente
o espinho da carne na ferida secreta.
O bordel, na sua avareza, sorve minha alma exausta,
a esperança sedenta do sentir,
por um instante, o surdo crepitar.
Na penumbra a prostituta dança
com a sinuosidade de uma ampla luminescência.
Já o desejo se acumula no espelho,
a sombra da minha mão expande.
Por mais que o prazer abrase
sempre seu rosto dentro de mim acende.
GUARDO HOSPEDADA EN MI MEMORIA
Guardo hospedada en mi memoria
la imagen apacible del cuerpo del amor.
La luz ha de llegar de nuevo,
pero ahora, en lo real, tan solo la lluvia
cubre la calle como negro alpiste.
Mira descender lentamente
la espina de la carne en la herida secreta.
El burdel, su avaricia, sorbe mi alma agotada,
mi esperanza sedienta de sentir,
por un instante, el sordo crepitar.
En penumbra la prostituta baila
con la sinuosidad de una ancha llamarada.
Ya el ansia se amontona en el espejo,
la sombra de mi mano se prolonga.
Por mucho que el placer arda
siempre su rostro en mi interior se enciende.
SOB A ESCURA NOITE
Sob a escura noite
por uma rua extensa,
ruidosa, miserável,
terrivelmente exausto,
caminho resignado,
caminho sem remédio.
Na minha mente se aproxima
o eco do passado.
Na minha mente se aproxima
a sombra da ausência.
Desorientado apuro
o passo entre as pessoas,
de quadra em quadra,
avanço sem cessar.
Diante do meu rosto
o caos obstinado se espalha:
o ruído expande,
a miséria irrompe.
Com toda a inquietude
do tempo na minha retina,
com a alma sufocada
até a beira da angústia,
eu continuo o meu caminho,
sob a escura noite
desta cidade mesquinha,
em busca de sossego.
BAJO LA NEGRA NOCHE
Bajo la negra noche
por una calle larga,
ruidosa, miserable,
terriblemente exhausto,
camino resignado,
camino sin remedio.
En mi mente se acerca
el eco del pasado.
En mi mente se acerca
la sombra de la ausencia.
Desorientado apuro
el paso entre la gente,
de cuadra en cuadra
avanzo sin cesar.
Delante de mi rostro
se extiende terco el caos:
el ruido se exacerba,
la miseria pulula.
Con toda la zozobra
del tiempo en mi pupila,
con el alma colmada
hasta el borde de angustia
prosigo mi camino,
bajo la negra noche
de esta ciudad mezquina,
en busca de sosiego.
O SONHO DO EXÍLIO
Súbito me encontro sozinho
diante do verde da floresta.
Sob a luz solar
caminho entre os arbustos.
Distante fica o caos
da cidade escura.
O pulso da terra
circula pelo meu sangue.
Em êxtase me penetra
por um caminho oculto.
O matagal da floresta
é sombria, cerrada.
Por um instante
o espanto me possui.
Mas uma claridade
inesperada assoma.
Este é o centro
da tranquilidade, do espaço
onde o silêncio cintila
em toda a sua existência.
Já desce, em espiral, a sombra
inquisitiva da morte,
apressada,
sob a minha cabeça.
Busco, no íntimo
da terra, um espelho.
EL SUEÑO DEL EXILIO
De pronto me hallo solo
ante el verdor del bosque.
Bajo la luz del sol
camino entre la hierba.
Distante queda el caos
de la ciudad oscura.
El pulso de la tierra
circula por mi sangre.
Extasiado me adentra
por un camino oculto.
La espesura del bosque
es umbrosa, dentada.
Por un pausado instante
el espanto me colma.
Pero una clara luz
asoma de repente.
Este es el centro
de la calma, el espacio
donde el silencio brilla
en toda su existencia.
Ya desciende la sombra
inquisitiva de la muerte
en espiral, veloz,
por sobre mi cabeza.
Yo busco, dentro
de la tierra, un espejo.
ILUSÃO DE ÓTICA
De madrugada, sob a luz dos postes,
com o olhar na rua deserta
penso no corredor
de Borromini no Palácio Spada.
Tal como o corredor, ó pobre alma enfadada,
que te seduz com a sua extensão
por um ideado sortilégio de astuta perspectiva,
a luz da tela te fascina
sem pausa ou repouso, semeia em ti apenas alheamento.
Toda a tua história infalivelmente
é esse simulacro desolado,
o domínio absoluto do olho pela imagem.
TRAMPANTOJO
De madrugada, bajo la luz del alumbrado,
con la mirada en la calle desierta
pienso en el corredor
de Borromini en el Palacio Spada.
Como tal corredor, oh pobre alma tediosa,
que te seduce con su longitud
por una ideada suerte de astuta perspectiva
la luz de la pantalla te embelesa
sin pausa ni reposo, siembra en ti solo olvido.
Toda tu historia irremediablemente
es este simulacro desolado,
el dominio absoluto del ojo por la imagen.
SOB ESTE ESTRANHO CÉU
Sob este estranho céu edificado no silêncio
corto a escuridão com pinceladas turvas.
Um imenso areal me circunda, se estende
sobre o vácuo do mundo, de ausência preenche tudo.
Ereto entre a dor me misturo com o pó
numa ciranda circular, sempre em sentido contrário.
O tempo não é o tempo, mas de repente passa.
Tensa de incerteza a palma da minha mão,
raiz membranosa, dilata-se surdamente.
Rápido, um ardor quase gelado, ascende, explode.
Furioso é o tumulto terrestre da angústia.
Tanta boca, pedra, unha. Tanto olho, vidro, cabelo.
Cada estremecimento é uma ferida insondável.
Cada passo me envisca incrustado de culpa.
Matéria desprezada. Substância crepitante.
Doutra obscuridade, na memória, um rosto
indefeso grita. “É o seu nome, o nome da minha ferida?”
Corto, em vão, o muro de carne desta sombra.
Tudo é desamparo, sofrimento que jamais cessa.
BAJO ESTE CIELO EXTRAÑO
Bajo este cielo extraño hundido en el silencio
corto la oscuridad con turbia pincelada.
Un inmenso arenal me circunda, se extiende
sobre el hueco del mundo, llena todo de ausencia.
Erguido entre el dolor me mezclo con el polvo
en marcha circular, siempre en sentido opuesto.
El tiempo no es el tiempo, pero de golpe pasa.
Tensa de incertidumbre la palma de mi mano,
raigambre membranosa, se alarga sordamente.
Un raudo, casi helado ardor asciende, estalla.
Violento es el tumulto terrestre de la angustia.
Tanta boca, piedra, uña. Tanto ojo, vidrio, pelo.
Cada estremecimiento es un corte insondable.
Cada paso me envisca incrustado de culpa.
Materia abominada. Substancia crepitante.
Desde otra oscuridad, en la memoria, un rostro
grita inerme. ¿Es su nombre el nombre de mi herida?
En vano corto el muro de carne de esta sombra.
Es todo desamparo, dolor que nunca acaba.
Tradução de Francis Kurkievicz
ELÍ URBINA (Chimbote, Peru, 1989). Poeta e editor. Foi finalista na XX Bienal de Poesia "Prêmio Copé - 2021". Publicou os poemários: O Abismo Do Homem (Argentina, Buenos Aires Poetry, 2020, com Comentário do poeta espanhol Justo Jorge Padrón), e Exŏdus (Peru, Santa Rabia Poetry, 2022), versão bilíngue [espanhol/inglês] em tradução do poeta, crítico literário e tradutor estadunidense Jeremy Paden, e as plaquetes O Sal Das Hienas (Peru, Plectro Editores, 2017), e Fábula Dos Burros Selvagens e Outros Poemas (Espanha, Editora BGR, 2022). Eli tem poemas publicados em muitas outras antologias. Seus poemas apareceram em várias revistas especializadas e foram traduzidos para Inglês, italiano, francês, bengali, grego, sérvio, macedônio, croata e agora vertidas ao português do Brasil. Fundou e dirige a revista e Editora Santa Rabia Poetry e sua coleção de poesia Pan-Hispânica.
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