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Foto do escritorREVISTA ZUNÁI

ELÍ URBINA POR FRANCIS KURKIEVICZ

CINCO POEMAS DO LIVRO  O ABISMO DO HOMEM (BAP, 2020) DO POETA PERUANO ELÍ URBINA

 



GUARDO HOSPEDADA EM MINHA MEMÓRIA

 

Guardo hospedada em minha memória

a imagem delicada do corpo do amor.

A luz deve logo voltar,

mas agora, no aqui, apenas a chuva

cobre a rua como negras sementes.

 

Observe o deslisar lentamente

o espinho da carne na ferida secreta.

O bordel, na sua avareza, sorve minha alma exausta,

a esperança sedenta do sentir,

por um instante, o surdo crepitar.

 

Na penumbra a prostituta dança

com a sinuosidade de uma ampla luminescência.

Já o desejo se acumula no espelho,

a sombra da minha mão expande.

 

Por mais que o prazer abrase

sempre seu rosto dentro de mim acende.



GUARDO HOSPEDADA EN MI MEMORIA

 

Guardo hospedada en mi memoria

la imagen apacible del cuerpo del amor.

La luz ha de llegar de nuevo,

pero ahora, en lo real, tan solo la lluvia

cubre la calle como negro alpiste.

 

Mira descender lentamente

la espina de la carne en la herida secreta.

El burdel, su avaricia, sorbe mi alma agotada,

mi esperanza sedienta de sentir,

por un instante, el sordo crepitar.

 

En penumbra la prostituta baila

con la sinuosidad de una ancha llamarada.

Ya el ansia se amontona en el espejo,

la sombra de mi mano se prolonga.

 

Por mucho que el placer arda

siempre su rostro en mi interior se enciende.


 

 

SOB A ESCURA NOITE

 

Sob a escura noite

por uma rua extensa,

ruidosa, miserável,

terrivelmente exausto,

caminho resignado,

caminho sem remédio.

Na minha mente se aproxima

o eco do passado.

Na minha mente se aproxima

a sombra da ausência.

Desorientado apuro

o passo entre as pessoas,

de quadra em quadra,

avanço sem cessar.

Diante do meu rosto

o caos obstinado se espalha:

o ruído expande,

a miséria irrompe.

Com toda a inquietude

do tempo na minha retina,

com a alma sufocada

até a beira da angústia,

eu continuo o meu caminho,

sob a escura noite

desta cidade mesquinha,

em busca de sossego.

 

 

BAJO LA NEGRA NOCHE

 

Bajo la negra noche

por una calle larga,

ruidosa, miserable,

terriblemente exhausto,

camino resignado,

camino sin remedio.

En mi mente se acerca

el eco del pasado.

En mi mente se acerca

la sombra de la ausencia.

Desorientado apuro

el paso entre la gente,

de cuadra en cuadra

avanzo sin cesar.

Delante de mi rostro

se extiende terco el caos:

el ruido se exacerba,

la miseria pulula.

Con toda la zozobra

del tiempo en mi pupila,

con el alma colmada

hasta el borde de angustia

prosigo mi camino,

bajo la negra noche

de esta ciudad mezquina,

en busca de sosiego.

 


 

 

O SONHO DO EXÍLIO

 

Súbito me encontro sozinho

diante do verde da floresta.

Sob a luz solar

caminho entre os arbustos.

Distante fica o caos

da cidade escura.

O pulso da terra

circula pelo meu sangue.

Em êxtase me penetra

por um caminho oculto.

O matagal da floresta

é sombria, cerrada.

Por um instante

o espanto me possui.

Mas uma claridade

inesperada assoma.

Este é o centro

da tranquilidade, do espaço

onde o silêncio cintila

em toda a sua existência.

Já desce, em espiral, a sombra

inquisitiva da morte,

apressada,

sob a minha cabeça.

Busco, no íntimo

da terra, um espelho.

 

 

EL SUEÑO DEL EXILIO

 

De pronto me hallo solo

ante el verdor del bosque.

Bajo la luz del sol

camino entre la hierba.

Distante queda el caos

de la ciudad oscura.

El pulso de la tierra

circula por mi sangre.

Extasiado me adentra

por un camino oculto.

La espesura del bosque

es umbrosa, dentada.

Por un pausado instante

el espanto me colma.

Pero una clara luz

asoma de repente.

Este es el centro

de la calma, el espacio

donde el silencio brilla

en toda su existencia.

Ya desciende la sombra

inquisitiva de la muerte

en espiral, veloz,

por sobre mi cabeza.

Yo busco, dentro

de la tierra, un espejo.

 


 

ILUSÃO DE ÓTICA

 

De madrugada, sob a luz dos postes,

com o olhar na rua deserta

penso no corredor

de Borromini no Palácio Spada.

 

Tal como o corredor, ó pobre alma enfadada,

que te seduz com a sua extensão

por um ideado sortilégio de astuta perspectiva,

a luz da tela te fascina

sem pausa ou repouso, semeia em ti apenas alheamento.

 

Toda a tua história infalivelmente

é esse simulacro desolado,

o domínio absoluto do olho pela imagem.

 

 

TRAMPANTOJO

 

De madrugada, bajo la luz del alumbrado,

con la mirada en la calle desierta

pienso en el corredor

de Borromini en el Palacio Spada.

 

Como tal corredor, oh pobre alma tediosa,

que te seduce con su longitud

por una ideada suerte de astuta perspectiva

la luz de la pantalla te embelesa

sin pausa ni reposo, siembra en ti solo olvido.

 

Toda tu historia irremediablemente

es este simulacro desolado,

el dominio absoluto del ojo por la imagen.

 


 

SOB ESTE ESTRANHO CÉU

 

Sob este estranho céu edificado no silêncio

corto a escuridão com pinceladas turvas.

 

Um imenso areal me circunda, se estende

sobre o vácuo do mundo, de ausência preenche tudo.

 

Ereto entre a dor me misturo com o pó

numa ciranda circular, sempre em sentido contrário.

 

O tempo não é o tempo, mas de repente passa.

 

Tensa de incerteza a palma da minha mão,

raiz membranosa, dilata-se surdamente.

 

Rápido, um ardor quase gelado, ascende, explode.

Furioso é o tumulto terrestre da angústia.

 

Tanta boca, pedra, unha. Tanto olho, vidro, cabelo.

 

Cada estremecimento é uma ferida insondável.

Cada passo me envisca incrustado de culpa.

 

Matéria desprezada. Substância crepitante.

 

Doutra obscuridade, na memória, um rosto

indefeso grita. “É o seu nome, o nome da minha ferida?”

 

Corto, em vão, o muro de carne desta sombra.

Tudo é desamparo, sofrimento que jamais cessa.

  

 

BAJO ESTE CIELO EXTRAÑO

 

Bajo este cielo extraño hundido en el silencio

corto la oscuridad con turbia pincelada.

 

Un inmenso arenal me circunda, se extiende

sobre el hueco del mundo, llena todo de ausencia.

 

Erguido entre el dolor me mezclo con el polvo

en marcha circular, siempre en sentido opuesto.

 

El tiempo no es el tiempo, pero de golpe pasa.

 

Tensa de incertidumbre la palma de mi mano,

raigambre membranosa, se alarga sordamente.

 

Un raudo, casi helado ardor asciende, estalla.

Violento es el tumulto terrestre de la angustia.

 

Tanta boca, piedra, uña. Tanto ojo, vidrio, pelo.

 

Cada estremecimiento es un corte insondable.

Cada paso me envisca incrustado de culpa.

 

Materia abominada. Substancia crepitante.

Desde otra oscuridad, en la memoria, un rostro

grita inerme. ¿Es su nombre el nombre de mi herida?

 

En vano corto el muro de carne de esta sombra.

Es todo desamparo, dolor que nunca acaba.



 

Tradução de Francis Kurkievicz


 

ELÍ URBINA (Chimbote, Peru, 1989). Poeta e editor. Foi finalista na XX Bienal de Poesia "Prêmio Copé - 2021". Publicou os poemários: O Abismo Do Homem (Argentina, Buenos Aires Poetry, 2020, com Comentário do poeta espanhol Justo Jorge Padrón), e Exŏdus (Peru, Santa Rabia Poetry, 2022), versão bilíngue [espanhol/inglês] em tradução do poeta, crítico literário e tradutor estadunidense Jeremy Paden, e as plaquetes O Sal Das Hienas (Peru, Plectro Editores, 2017), e Fábula Dos Burros Selvagens e Outros Poemas (Espanha, Editora BGR, 2022). Eli tem poemas publicados em muitas outras antologias. Seus poemas apareceram em várias revistas especializadas e foram traduzidos para Inglês, italiano, francês, bengali, grego, sérvio, macedônio, croata e agora vertidas ao português do Brasil. Fundou e dirige a revista e Editora Santa Rabia Poetry e sua coleção de poesia Pan-Hispânica.

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