Depoimentos
Almandrade: Entre a literatura e as artes visuais dei início ao meu trabalho, ainda estudante de colégio. Me interessei pela poesia e logo depois descobri as artes plásticas. Através da Poesia Concreta e do Poema/Processo cheguei ao concretismo e logo em seguida à Arte Conceitual que marcou a década de 1970. A partir de então estabeleci uma trajetória de trabalho na qual utilizo de vários suportes, como: desenho, pintura, escultura, instalação, poema visual. Uma opção estética que me persegue nesses 50 anos dedicados ao fazer artístico/ literário. O poeta ao perceber a importância de outros signos além da palavra, se utilizou de outros sistemas de signos. No meu caso atualmente, procuro estabelecer uma dialética entre as linhas geométricas em contraste com as palavras. Muitas vezes a palavra é utilizada como elemento de composição. A linguagem verbal não se tornou indispensável, mas a rapidez da informação e da comunicação no mundo da atualidade rompeu com os sistemas lineares. Ao poeta compete a invenção de novas grafias, novos códigos que supere a ordem alfabética, propor novas leituras como estratégia para adulterar o autoritarismo da linguagem. A poesia é uma operação com a linguagem, um exercício que leva a linguagem a um limite, a romper com os significados do cotidiano. Sem excluir outras possibilidades da palavra, a minha poesia visual se realiza de recursos gráficos, de tendência geométrica, caligramática ou ideogramática.
Arnaldo Antunes: Creio que o termo de Joyce, verbivocovisual, adotado pelos poetas do grupo Noigandres, continua sendo a definição mais precisa para o que passou a ser chamado pelo genérico termo de poesia visual, mas que abrange toda a poesia experimental que se aventura em direção a outras linguagens (tipografia, caligrafia, fotografia, colagem, vídeo, áudio, escultura, instalação, performance e inúmeras formas de interação digital) e suportes. Essa extensão da significação poética para além da palavra (que, por si só, já abarca as dimensões verbais, sonoras e imagéticas) acentua os aspectos materiais da linguagem poética, ampliando os limites de nossa sensibilidade e consciência. Convivendo desde muito jovem com a poesia concreta, pioneira na exploração poética da mistura do verbal com outras linguagens; com as revistas dos anos 60, 70 e 80 (Código, Arteria, Navilouca, Pólem, Muda, Qorpo Estranho, entre outras) e com a sofisticada tradição de poesia cantada da nossa música popular; para mim foi sempre um impulso natural a "via(lingua)gem" (Augusto) da poesia se contaminar da música (nas canções), da criação gráfica (nos poemas visuais) e da abertura de possibilidades criativas de novos meios. Ou apenas poesia.
Elson Fróes: Poesia visual: não são apenas objetos, são gatilhos para despertar novas experiências, novas conciências, a percepção e o pensamento para outras possibilidades além do óbvio. Num mundo em que proliferam "memes" e imagens de conteúdo raso, dúvidoso, de mau gosto ou mesmo enganoso, quero produzir estranhamento nos desavisados. O poema como máquina pensante, capaz de reproduzir á distancia, além de mim, minhas idéias. Mas que seja também uma máquina aberta para o leitor e suas idéias interagirem. Hibridos de vários tempos, de avanços tecnológicos, objetos inacabados num processo contínuo, onde virtualidade, criatividade, interatividade e imprevisibilidade atuam para a construção de uma realidade em nova recepção.
Francisco dos Santos: Minha escrita se apresenta mais ou menos assim : poesia, mais concisa possível; prosa, dilatada até a saturação.
Gabriela Marcondes: A visualidade das palavras se mostra para mim como um desdobramento de significados. Cada significante carrega significados "escondidos" e a possibilidade de olhar esse objeto/palavra de forma incomum amplia seus sentidos. Assim interessa-me o jogo lúdico com as letras, utilizando simetrias e assimetrias para des-vendar rimas visuais, buscar afinidades mais que etimológicas, brincar com relações gráficas e por fim explorar a fronteira entre poesia e artes plásticas. Isso me faz lembrar do oriente e de suas linguagens ideogrâmicas em que não há uma real diferenciação entre pintura, caligrafia e poesia, ou seja tudo é uma coisa só ou uma coisa só sendo muitas coisas.
Lúcio Agra: A poesia visual, para mim, jamais dispensa o verbal. Examinando em retrospecto desde produções mais recentes como as que enviei aqui até outras, muito antigas, percebo que, mesmo cercada de elementos fotográficos, gráficos e até audiovisuais, a palavra é essencial em todos estes experimentos. Quando, em 2007, formamos o duo (demo)lição, eu e Paulo Hartmann, o primeiro propósito era reunir a performance musical do Improviso Livre e a poesia oralizada, além de versões gráfico-digitais em movimento. Nas buscas mais antigas por uma visualidade, mesmo que usasse palavras sem sentido, interessava a possível dimensão “pronunciável”. Creio que transito entre palavra-som-texto-olho. Sinto-me, portanto, ligado à tradição do verbivocovisual que a Poesia Concreta inaugurou e que desde então vem sugerindo as conexões entre palavra, som e visualidade que de certo modo fazem de nós, da poesia brasileira, uma singularidade no mundo. A oportunidade contemporânea de dar às palavras as formas mais variadas, além da multiplicidade de veículos como o Instagram, impondo, eles mesmos, outras formatações de texto, são muito instigantes para mim. Desde 1994, quando publiquei meu único livro em papel, selva bamba, tenho sempre buscado outros meios fora desse formato, tentando fugir também das esferas de legitimação tradicionais que o cercam. Hoje, passados tantos anos, penso que o livro talvez seja a mídia mais difícil e desafiadora, considerando a passagem pelo rio de fogo de todos os meios digitais.
Marcelo Sahea: o pé pensa melhor que a mão. quando a cabeça começa rente ao chão, perto da queda, longe da razão. novo ângulo para a escrita. nova direção. nova caligrafia. calligrafeet. fiat hálux. quando cada passo é escritura. o que sobra quando se retira a intenção da caligrafia, como se retirasse um sapato justo? para onde vão os traços sem o embaraço do estilo? escrever com o pé como exercício de escrita isenta. sem aval. sem predileções. sem peso. dar ao pé o que normal-mente não lhe compete: liberdade. para ir. meu avô árabe, pai da minha mãe, não escrevia, desenhava. era assim que a criança em mim via a escrita que vinha da síria: arabescos. vem dele o gosto por caligrafia. escrevler como os fenícios: para a esquerda. na direção da origem. do pulso. da respiração. dar ao corpo outras mãos. a escrita pregressa, sem pressa, sem o fardo do belo. estar mais perto do que pode o corpo. porque meus pés já podem escutar desde que entrei descalço em cena. aprender com quem me firma e assinar de forma nova. algo de circular. da palma ao palmilhar: pé aprender a escrever: mão aprender a caminhar.
(Fragmento do ensaio “três leituras sobre poemas caligráficos”, do livro Objeto Intersemiótico, de 2021)
o pé pensa melhor que a mão. quando a cabeça começa rente ao chão, perto da queda, longe da razão. novo ângulo para a escrita. nova direção. nova caligrafia. calligrafeet. fiat hálux. quando cada passo é escritura. o que sobra quando se retira a intenção da caligrafia, como se retirasse um sapato justo? para onde vão os traços sem o embaraço do estilo? escrever com o pé como exercício de escrita isenta. sem aval. sem predileções. sem peso. dar ao pé o que normal-mente não lhe compete: liberdade. para ir. meu avô árabe, pai da minha mãe, não escrevia, desenhava. era assim que a criança em mim via a escrita que vinha da síria: arabescos. vem dele o gosto por caligrafia. escrevler como os fenícios: para a esquerda. na direção da origem. do pulso. da respiração. dar ao corpo outras mãos. a escrita pregressa, sem pressa, sem o fardo do belo. estar mais perto do que pode o corpo. porque meus pés já podem escutar desde que entrei descalço em cena. aprender com quem me firma e assinar de forma nova. algo de circular. da palma ao palmilhar: pé aprender a escrever: mão aprender a caminhar.
(Fragmento do ensaio “três leituras sobre poemas caligráficos”, do livro Objeto Intersemiótico, de 2021)
Mário Alex Rosa: Esses poemas pertencem a uma série maior de objetos (Poemas-objetos), onde articulo a linguagem plástica e a visualidade poética. São mais de 40 trabalhos em que brinco com referenciais plurais, tanto da história da arte (os ready mades de Marcel Duchamp como da poesia (a escrita híbrida e brincante do catalão Joan Brossa). São referências reprocessadas sob o filtro do meu olhar, olhar este em que a palavra sempre esteve em contato íntimo com a imagem. A palavra, aqui, é fundamental, mas só se completa no âmbito de sua intersecção com o extrato plástico. Alguns dos trabalhos explicitam este diálogo vocabular-plástico, como “Conta-Letras”, onde reformulo conceitualmente o uso de um reles conta-gotas, preenchendo o espaço antes líquido pela solidez de ícones tipográficos. “Pinçando o P” traz uma pinça segurando a letra ‘P” de metal como se atraísse, imã natural, peças tipográficas, conjuntos de letraset isolados, situados logo abaixo de sua estrutura. Ou um “Fone de ouvido” para ouvir o silêncio dos poemas. Os objetos passeiam pelos espaços da casa, e um rolador de massa vira “Poema para a massa”, fazendo referência a famosa frase de Oswald de Andrade: “a massa ainda comerá do biscoito fino que fabrico”. No meu poema-objeto a palavra massa procura ganhar mais de um sentido.
PS. Todos esses objetos foram construídos a partir de 2000.
Ronald Polito: A chamada poesia visual pode abranger um campo enorme de possibilidades e tendências, por vezes excludentes, que se instalam em áreas de fronteira com as artes visuais, abrangendo pintura, desenho, gravura, escultura, fotografia, vídeo, arquitetura, instalação, mas também com outras linguagens, como as histórias em quadrinhos ou a propaganda. No caso dos trabalhos que apresento aqui, há anos venho desenvolvendo talvez poemas visuais a partir da observação, principalmente, de letreiros de estabelecimentos comerciais, propagandas, embalagens, objetos e, inclusive, obras de arte e frases conhecidas, tendo em geral por base a fotografia dessas possibilidades. O trabalho consiste em efetuar pequenas intervenções nas imagens provocando uma alteração, que procura ser decisiva, em seus significados, levando essas figurações a uma circunstância de possível abjeção, o que já me parecia implícito em seu “estado de natureza”.
Sérgio Medeiros: A minha poesia, seja visual, seja verbo-visual, pressupõe a definição de língua materna como uma massa nebulosa, numa releitura daquilo que Wittgenstein propôs no seu Livro marrom. A massa nebulosa reúne de forma "caótica" vários tipos de escrita: a corporal, a animal, a hieroglífica, a alfabética... O herói Macunaíma, reinventado por Mário de Andrade no seu romance homônimo de 1928, é um sujeito que mergulha na massa nebulosa do Brasil moderno, por isso ele fala, lê e escreve vários tipos de linguagem ao mesmo tempo ou em sequência. Enquanto poeta brasileiro falante do português e estudioso dos mitos ameríndios, eu procuro seguir sempre os passos de Macunaíma (ele é um dos nossos maiores decifradores de petróglifos ancestrais) e, por conta disso. misturo tudo na minha poesia visual: glifos maias, arabescos cadiuéus, letras romanas, rastros de pássaros, runas joycianas, Mallarmé e Broodthaers, os quadros negros de Beuys, a escrita assêmica do xavante Tsawé etc. O meu poemário O livr.o da lín...gua materna, essa massa nebulosa testemunha essa concepção poética, ao reunir centenas cadernetas de desenhos e poemas a uma grande tela, onde, de um lado há um rio (o rio Apa, o rio do aparecer/desaparecer e da aparência...) e do outro uma partitura feita pelos animais e pelos vegetais que passearam e/ou viveram na margem do rio.
Tchello de Barros: Os hibridismos poéticos/estéticos entre palavra e imagem, vêm ao longo da História constituindo-se na rede de entrelaçamentos semióticos entre Literatura e Artes Visuais, que no ainda recente Séc. XX passamos a chamar de Poesia Visual, Poesia Experimental e suas variantes. Surpreende que tais vertentes de arte expandida tenham atravessado a linha temporal deste novo milênio, que tenham se potencializado nas instigantes novas tecnologias, que tenham se proliferado via novas mídias. E, um tanto apoplético, flagro-me, reincidentemente nessas práticas. Talvez quem lê/vê meus poemas visuais é quem possa dizer se há alguma busca nestes enunciados imagéticos, portanto limito-me a confidenciar que proponho apenas vivenciar os limites de tais experimentações a partir de temas que afetam, perturbam e me desafiam em minha própria contemporaneidade. Nem sempre a palavra, o vocábulo ou a sintaxe são suficientes. Nem sempre o signo, a figura ou a imagem dão conta de exprimir o fenômeno poético. Mas oportunamente, a junção de significados produzida pelo poema visual pode expressar o alumbramento sentido ou o enlevo pretendido. Se a Poesia Visual tem sido transgressora, ao ampliar os limites da linguagem, nessa tácita e coletiva contravenção literária, não me acusem de mentor intelectual, mas atenderei se chamarem de cúmplice.
Walter Silveira: Entendo a poesia como “arte geral da palavra” e o poema como “objeto sensível de linguagem”; assim, busco extrair expressão do significado, do som e do aspecto gráfico em conjunções dinâmicas da caligrafia, do gestual corporal, xerox, spray, vídeo, raio laser, livros de artista... o trânsito por vários códigos-linguagens e suportes numa aventura intersemiótica experimental.
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