À HORA EM QUE AS SOMBRAS DESCEM
em meio à obscenidade das cruzes
um olho se arregala
do azul nascem pássaros
a tangenciar voos partidos
crianças saltam do sono
para a mira de fuzis
mulheres tecem toucas
para bonecas sem cabeças
tiros sangue sirenes
escorrem entre dedos cruzados
vida exaurida de desânimos
soluça entre vazios e procissões
aos ouvidos da noite
resta o grasnar do corvo de poe.
O GRITO
calçadas de ossos
rasgam debilidade dos pés
morcegos perfuram olhos
com suas asas de amianto
na cama amontoam-se
títulos cores tamanhos
sapatos sobre livros
mutilam as misérias em prosa
e versos de poetas malditos
homens gritam indignação
apontam manchetes
de abusos vícios violências
filhos mães mulheres
seguem silêncios em procissão
desmentem em close up
roxos a trincar rostos
rua se afunila em entulhos
encimados pelo grito de munch
clarão explode nos ouvidos
sol atravessa manhã
acorda acidez da realidade.
DIAS DESERTOS DE PAZ
fogo lambe sangue
cai sobre sentidos
dedos tocam medo
choros molham sol
ameaça invisível
não há luz
há cruzes
em peitos cansados
mulheres confinadas
fronteiras
dias desertos de paz
não consigo respirar
:
o oxigênio está sumindo
sob pele negra
na agonia do pantanal
sobre camas de hospitais
não há flor entre pedras
há desafio
na toxidade das sombras
do que já envelheceu
há silêncios
à espera de violinos.
PERIFÉRICOS
fogos atraídos
pelos estalos da pedra
raios a rabiscar
a mendicidade da rua
vidas a vomitar
enxurradas de delírios
na escuridão
dos estômagos vazios
procissão de mortos vivos
carne rasgada
a percorrer noites em círculos.
MANCHEETE QUE SE REPETE
andava lenta atenta
ao filho que viria
aos envelhecidos passos
amparados em seus braços
andava e sorria
atenta à finitude da tarde
à ausência de alma de pássaros
atenta às cicatrizes dos dias
não entendeu os poros
a se fecharem na pele
redemoinhos no ventre
cheiro de olhos escondidos
arrepios
desatenta ela caiu
tiro tangente de fuzil
encontrou peito filho planos
outra bala
que de perdida
apenas vida que nela se perdeu.
PASSOS
o homem caminha
olhos alaranjados de finais
em seus sentidos mutilados
horizontes
escorrem espessos
como se os anéis de saturno
se alinhassem
confusos
aos últimos raios de sol
no cansaço dos pés
tentativa
de se unir ao universo
nos bolsos
mãos medos silêncios
se enlaçam esmaecidos
e preparam as cores
de outros e novos passos.
Lourença Lou é mineira de Belo Horizonte, professora e administradora. Publicou três livros de poesia pela Ed. Penalux e um de contos pela Arribaçã Editora. Participou de inúmeras coletâneas de poesia e de contos, revistas literárias, sites de crônicas e suplementos literários de jornais. Escreve porque esta é sua forma de dar vida aos seus silêncios.
Contato: loulourença@gmail.com/ /www.facebook.com/loulourenca
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