APELO
Para Silvana Meneses
Os dias carregam gripe pneumonia
sobre cidades e aldeias
o vírus sopra sua epígrafe
o terror ateia cruzes
na testa do amanhã
as sirenes acinzentam
as chances de vitória
a severidade do mal
apaga nossos deuses
o abraço agora é pássaro extinto
ainda assim eu peço: não me impeçam de amar
amar em última instância é toda saúde que tenho.
TRÍADE
Para Adriano Lobão
Três almas aquáticas
atadas ao mesmo fio
de silêncios e distâncias
a contornar as margens
deste rio que as retém
o éter o óxido o hálito
de um deus que rege
as águas e percursos
de cardumes e cadáveres.
ITINERÁRIO DAS FORMIGAS
Para Antonio Aílton
Aprender com as formigas o itinerário do inadiável o inventário das urgências
seus caminhos são velozes colheitas enfileiradas a fios e feromônios do instável
há de se armazenar os grãos da sobrevivência enquanto o sol tem fôlego
fazer das sobras somas contra a avareza do tempo antes que os céus desabem
pois o dia é uma marcha de fome fuga e quedas no vórtice das incertezas
cortar a língua do tempo em pequenos pergaminhos de grânulos folhas gravetos
como quem esboça para si um par de asas luminosas para além do transitório
as formigas são mais sábias do que os pés que as esmagam na prepotência dos neurônios.
EVIDÊNCIAS ÓSSSEAS
No branco cal da ossatura
vê-se a igualdade dos seres
ante à anatomia da finitude
entre fêmur e crânio
sob o escárnio do silêncio
o flúor do desmanche
escreve a sua epígrafe:
num túmulo sem ossos
não há testemunho algum
de vida morte ou verso
acaso não seria esta ossada
a nossa verdadeira alma?
IMPERMANÊNCIA
Ao poeta Carvalho Junior, in memoriam
Os poetas partem sem despedida e fazem disso um parto sem choro para não poetizar suas fragilidades
ainda assim seu expirar é verso aberto em oposição ao transitório canto de ganso em migração
deixa nas laudas dos viventes um testemunho branco-sustenido para além das lágrimas e preces
um dizer que retine nas ranhuras deste relevo de impermanências para que o sol amanhã o decifre.
Neurivan Sousa é poeta e professor, natural de Magalhães de Almeida-MA (1974), mas radicado em Santa Rita. Membro fundador da Associação Maranhense de Escritores Independentes (AMEI) e Membro Correspondente da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes (AICLA). É autor de Lume (2015), Palavras sonâmbulas (2016), Minha estampa é da cor do tempo (2018), da trilogia infantojuvenil O pequeno poeta, e o infantil Ribamar – o menino peixe.
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