O PESO DO ESQUECIMENTO
I.
A flor é beijada pela peste.
Como uma palavra primitiva
do português, o triunfo da
civilização é /pequeno/
é a soma das patas quebradas
de um colibri, morto pela
espingarda de ontem.
II.
Basta olhar para /Fitzcarraldo/
E “verás que um filho teu
não foge à luta”.
Ele é, ele existe: presente.
Tamanha resiliência no
intuito de adestrar o
entreabrir das flores.
Para, depois, destruí-las —
diz um jovem índio
indisposto a transportar
o navio morro acima —
este filme da vida real…
III.
É preciso muita ousadia para querer
⠀⠀⠀⠀⠀⠀aniquilar o verde — dizia
um pajé naquela noite.
O futuro ostenta o peso de um
⠀⠀⠀⠀⠀⠀curumim morto.
A obsessão de enfeitar com ouro
⠀⠀⠀⠀⠀⠀os abutres.
IV.
Será esta a qualidade indiscernível
⠀⠀⠀⠀⠀⠀do futuro prometido?
O apagamento do brilho oracular
⠀⠀⠀⠀⠀⠀a dança das chamas
⠀⠀⠀⠀⠀⠀madrugada adentro…
V.
O dia é um corpo estirado no
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀chão.
A floresta é um rapazinho
⠀⠀⠀⠀⠀ferido pelo futuro.
É preciso muita baixeza para
⠀⠀⠀⠀⠀sorrir diante das cinzas…
VI.
Nesta viagem sem retorno,
não há garantias; chuva ou sol;
⠀⠀água ou fogo; o que virá.
Nem mesmo noção sobre a
⠀natureza das ações.
VII.
Nesta terra, a miragem e a
⠀⠀⠀ verdadeira imagem se
⠀⠀⠀ confundem — voláteis.
Basta um relance de olhos
⠀⠀⠀/durante a cerração/
para esquecermos repentinamente
o nome de nossa origem.
VIII.
É estranho tocar o estrangeiro
⠀⠀⠀⠀e ver a nossa vida
⠀⠀extinta e estampada
⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀no jornal.
IX.
O futuro — termo inconcebível —
é um pronome relativo sem
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀sujeito explícito_
X.
Nossos olhos operam novas
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀palavras
pelo mágico d i s t a n c i a m
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀e n t o.
Luciana Moraes é autora nascida no Rio de Janeiro, em 1993. Poeta, revisora e tradutora, graduada em Letras (Unirio). Integra a equipe “Fazia Poesia” e o coletivo “Escreviventes”. Participou da “Oficina Experimental de Poesia” (RJ). Tem poemas em revistas como “Mallarmargens”, “Cassandra”, “Torquato” e “Letras Salvajes”. Presente em antologias e diferentes projetos como “Versão brasileira: a voz da mulher” – coletânea digital de poesia, baseada na Independência do Brasil sob a perspectiva da mulher (2023, Prefeitura - RJ) – e “Coletânea Off Flip de Literatura – Poesia” (2023). Tentei chegar aqui com estas mãos é seu livro de estreia.
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